Tempo de leitura para crianças: 21 min
Certo dia, estavam sentados, em frente de pobre casinha, um homem e sua esposa, descansando do trabalho. Nisto chegou uma bela carruagem, atrelada com quatro cavalos pretos, e dela apeou um senhor luxuosamente vestido. O campônio levantou-se e foi ao encontro do senhor, perguntando o que desejava e em que podia servi-lo. O desconhecido apertou-lhe a mão e disse: – Desejo, apenas, saborear um prato dessa boa comida do campo. Preparai algumas batatas à vossa maneira, sentar-me-ei à mesa convosco e as comerei com imenso prazer. O campônio sorriu e disse:
– Vós sois, sem dúvida, conde ou príncipe, talvez mesmo duque; os grandes fidalgos costumam ter desses desejos! E o vosso será satisfeito. A mulher foi para a cozinha e começou a lavar e descascar as batatas, querendo fazer um bom prato de „nhoques,“ desses que os camponeses tanto apreciam. Enquanto ela cuidava dessa tarefa, o campônio disse ao desconhecido:
– Enquanto esperamos, vinde comigo até à horta; ainda tenho de terminar um pequeno serviço lá. Na horta, ele havia aberto algumas covas onde pretendia plantar mudas de árvores. – Não tendes nenhum filho que vos possa ajudar? – perguntou o desconhecido. – Não, – respondeu o campônio, e acrescentou: – Na verdade tive um mas, há muito tempo ele nos deixou para correr mundo. Era um rapaz viciado, inteligente e malicioso, mas não tinha vontade de aprender coisa alguma; só sabia pregar-me as piores peças. Um dia, fugiu de casa e nunca mais tive notícias dele. Assim dizendo, o campônio colocou uma muda dentro da cova o enfiou uma estaca ao lado; depois de socar bem a terra em volta, amarrou a haste ao pau, embaixo, no meio e no alto, com um cipòzinho. – Dizei-me uma coisa, – disse o desconhecido, – por que não amarrastes uma estaca também àquela árvore torta ali do canto, àquela contorcida e nodosa que está vergada quase até ao chão? O velho sorriu e disse:
– Senhor, falais como todos os que não entendem do assunto; bem se vê que nunca lidastes com uma horta. Aquela árvore contorcida já está velha e ninguém poderá mais endireitá-la. As árvores devem ser endireitadas quando são novinhas. – Tal como o vosso filho! – disse o desconhecido; – se o tivésseis educado quando era pequenino, não teria fugido de casa. Agora ele, também, se terá endurecido e contorcido. – Naturalmente! – respondeu o campônio. – Já faz tanto tempo que se foi, deve estar bem mudado! – Se ele se apresentasse agora, ainda o reconheceríeis? – perguntou o desconhecido. – Pela cara, dificilmente! – respondeu o campônio, – mas o reconheceria por um sinal em forma de feijão que tem no ombro. Quando ele disse isto, o desconhecido despiu o paletó, descobriu o ombro e mostrou o sinal em forma de feijão. – Senhor Deus meu! – exclamou o velho: – então és o meu filho! E o amor paterno agitou-lhe o coração; mas acrescentou:
– Como é possível que sejas meu filho, se és fidalgo e vives na opulência e na fartura? Por quê caminho chegaste a tal altura? – Ah, meu, pai! – respondeu o filho, a arvorezinha tenra não foi amarrada à estaca, no tempo devido, e cresceu torta! Agora está velha e não endireita mais. Como ganhei tudo isto? Tornei-me ladrão. Oh não te assustes, eu sou um mestre ladrão! Para mim, não existem fechaduras ou ferrolhos que resistam; quando quero alguma coisa, tomo-a. Não creias, porém, que me reduzi a roubar como gatuno vulgar; eu apodero-me, somente, do supérfluo dos ricos; os pobres podem ficar descansados, a eles prefiro dar do que tomar. Assim como não me interessa o que me possa vir ás mãos sem trabalho, astúcia ou habilidade. – Ah, meu filho, – disse tristemente o pai, – de qualquer maneira teu ofício não me agrada; ladrão é e será sempre ladrão, e nunca acaba bem, digo-te eu! Conduziu-o à presença de sua mãe e, quando esta soube que ele era seu filho, chorou de alegria; e quando ficou sabendo que ele era ladrão mestre, as lágrimas corriam-lhe das faces como caudais. Entretanto, assim que conseguiu falar, disse:
– Mesmo que se tenha tornado ladrão, é sempre meu filho, e meu olhos tiveram a graça de vê-lo ainda uma vez! Depois, foram para a mesa e ele comeu em companhia dos pais a modesta comida caseira, que há tanto tempo não comia. O pai lembrou:
– Se nosso amo, o conde lá do castelo, souber quem és e o que fazes, creio que não te pegará no colo e não te ninará como quando te levou à pia batismal; acho que te mandará balouçar na ponta da corda de uma forca. – Não te preocupes, meu pai; ele não me fará nada; pois sei bem como são as coisas. Hoje mesmo irei visitá-lo. Ao cair da tarde, o ladrão subiu na carruagem e foi ao castelo. O conde recebeu-o amavelmente, julgando que fosse um grande fidalgo. Mas, assim que ele se deu a conhecer, o conde empalideceu e, durante alguns minutos, perdeu a fala. Depois disse:
– Tu és meu afilhado, por isso serei clemente e te tratarei com toda a indulgência. Como, porém, te gabas de ser ladrão mestre, quero pôr à prova tua habilidade. Mas, se fizeres fiasco, eu te mandarei dançar na ponta da corda pelo espaço e, como música de acompanhamento, terás o doce crocitar dos corvos. – Senhor conde, – respondeu o ladrão, – inventai três empreendimentos difíceis quanto quiserdes, se eu não os levar a cabo, fazei de mim o que vos aprouver. O conde pensou durante alguns minutos e depois disse:
– Está bem! Em primeiro lugar, deves roubar da cavalariça meu cavalo predileto; em segundo lugar, quando minha mulher e eu estivermos dormindo, tens de tirar o lençol que temos debaixo do corpo sem que possamos perceber; também tens de tirar a aliança que minha mulher traz no dedo; por fim, tens que raptar da igreja o padre e o sacristão. Toma nota de tudo direito, porque é a tua vida que está em jogo. O mestre ladrão despediu-se e foi à cidade vizinha. Lá adquiriu a roupa de uma velha campònia e vestiu-se. Pintou o rosto de cor bronzeada, desenhando algumas rugas. de maneira a ficar irreconhecível; em seguida, comprou um barrilete de velho vinho da Hungria, misturando-lhe forte narcótico. Meteu o barrilete num cesto. que pôs às costas e, com passos trôpegos e arrastados, voltou ao castelo do conde. Quando chegou lá, já era escuro. Sentou-se numa pedra que havia no terreiro, pôs-se a tossir como uma velha asmática e a esfregar as mãos como se estivesse morrendo de frio. Em frente à cavalariça, havia um grupo de soldados, deitados ao pé de uma fogueira; um deles, vendo aquela velha a tossir, gritou-lhe:
– Ei, avozinha, chega aqui perto, vem aquecer-te conosco. Cama para dormir não tens mesmo e deves aceitar o que te oferecem, vem pois aquecer-te aqui! A velha aproximou-se com passinhos miúdos e pediu que lhe tirassem o cesto das costas; depois sentou-se junto deles ao pé do fogo. – Que tens aí nesse barrilzinho, velha bruxa? – perguntou um dos soldados. – Tenho um dedo de excelente vinho, – respondeu ela; – preciso vender alguma coisa, se quero viver! Dinheiro e boas palavras, com isso poderás ter um copo. – Vamos lá, dá-me um copo, então! – exclamou o soldado e, depois de provar o vinho, disse: – quando o vinho é bom, gosto de beber mais de um copo! – e pediu mais. Os outros seguiram-lhe o exemplo. – Olá, camaradas! – gritou um deles aos que estavam dentro da cocheira. – Está aqui a vovozinha oferecendo um vinho tão velho quanto ela mesma; tomai um copo que isso vos aquecerá o estômago melhor que o fogo. A velha levou o barrilete dentro da cachoeira. Um dos soldados estava montado no cavalo predileto do conde; outro o estava segurando pelo freio, e o terceiro pelo rabo. A velha pôs-se a distribuir o excelente vinho tanto quanto lho pediam e, assim, foi até esvaziar o barrilete. Não demorou muito, o soldado que segurava o freio largou-o e rolou pelo chão, onde se pôs a roncar deliciosamente; o outro largou o rabo, caiu deitado e roncou mais alto ainda; o que estava montado, permaneceu na sela, mas pendeu o corpo para a frente até tocar com a cabeça no pescoço do cavalo; ferrou no sono e assoprava como um velho fole. Lá fora, os demais dormiam há muito, deitados no chão e imóveis como se fossem de pedra. O ladrão, ao ver que tudo lhe saíra às mil maravilhas, colocou uma corda na mão daquele que segurava o freio; ao que segurava o rabo, pós-lhe na mão um punhado de palha; mas que devia fazer com o que estava montado no cavalo? Não queria botá-lo para baixo com receio que despertasse e fizesse um escarcéu. Finalmente, descobriu um expediente: desafivelou a correia que prendia a sela, passou umas cordas nas argolas que havia nas traves, prendeu a sela com o cavaleiro montado e sus- pendeu-a, depois amarrou firmemente as cordas num pau. Feito isto, foi facílimo subtrair o cavalo; mas para sair montado, o barulho das ferraduras poderia chamar a atenção, então enrolou alguns trapos nos cascos do cavalo, levou-o para fora da cocheira e, montando nele, disparou a todo galope. Na manhã do dia seguinte, o ladrão dirigiu-se a rédeas soltas para o castelo, todo pimpão no cavalo roubado. O conde acabava de levantar-se e estava à janela.
– Muito bom dia! – gritou de baixo o ladrão. – Eis aqui o cavalo, que tirei com a maior facilidade da cavalariça. Ide ver como dormem os vossos soldadas, como bem-aventurados estão lá deitados no chão, e podeis ver, também, na cavalariça como se acomodaram os vossos guardas! O conde não pôde conter-se e, dando uma risada, disse:
– Da primeira vez te saíste bem, mas na segunda não te será tão fácil. A divirto-te, entretanto, que, se te apanho como um ladrão qualquer, trato-te como tal. A noite, quando marido e mulher foram deitar-se, a condessa fechou a mão bem apertada, segurando firmemente a aliança, e o conde disse-lhe:
– As portas estão todas trancadas; eu ficarei acordado e, se o ladrão tentar entrar pela janela, dou-lhe um tiro. Entretanto, em meio às trevas da noite, o ladrão foi ao local das forcas, cortou a corda de um pobre enforcado e carregou-o às costas até ao castelo. Em seguida, colocou uma escada sob a janela do quarto e, com o morto sentado sobre os ombros, foi subindo. Ao chegar à altura em que a cabeça do morto aparecia na janela, parou. O conde, que da cama estava espreitando, apertou o gatilho e deu-lhe um tiro; o ladrão soltou, imediatamente, o defunto, pulou da escada e correu a esconder-se num canto. A noite estava tão claramente iluminada pelo luar que o mestre pôde ver, perfeitamente, o conde saindo pela janela; depois desceu pela escada e levou o morto até ao jardim. Uma vez lá, deu-se ao trabalho de abrir uma cova para o enterrar. – Agora é o momento azado! – disse de si para si o ladrão. Deslizou, mais que depressa, do esconderijo, trepou pela escada e foi direitinho ao quarto da condessa. – Minha cara mulher, – disse ele imitando a voz do conde: – O ladrão está morto, mas de qualquer maneira era meu afilhado, mais velhaco do que malvado. Portanto, não quero expô-lo à vergonha pública, mesmo porque tenho pena daqueles pobres pais; vou enterrá-lo, eu mesmo, no jardim, antes que amanheça, para que ninguém venha a saber de coisa alguma. Dá-me o lençol para amortalhá-lo, assim não será enterrado como um cão. A condessa entregou-lhe o lençol. – E, sabes? – prosseguiu o ladrão – terei para com ele um rasgo de generosidade; dá-me, também, tua aliança, afinal de contas esse infeliz arriscou a vida por causa dela; que a leve consigo para a sepultura. A condessa, embora a contragosto, não quis opor-se à vontade do conde e, tirando o anel do dedo, entregou-lho. O ladrão, tendo em poder as duas coisas, tornou a sair pela janela e chegou a casa sem inconvenientes, antes que o conde tivesse terminado o trabalho de coveiro no jardim. Imagine-se, agora, que cara fez o conde na manhã seguinte, quando o mestre ladrão apareceu levando-lhe o lençol e a aliança! – Possuis acaso a varinha mágica? – perguntou-lhe; – quem te desenterrou da cova onde com minhas próprias mãos te coloquei? Quem foi que te ressuscitou? Rindo-se, o ladrão respondeu:
– Não foi a mim que enterraste! Foi àquele infeliz que estava na forca. E narrou, detalhadamente, como se passaram as coisas. O conde teve que admitir que era um ladrão hábil e inteligente. – Mas não terminaste ainda, – disse-lhe; – falta levares a cabo o terceiro empreendimento; se nesse não tiveres êxito, tudo o mais não te valerá de nada. O ladrão sorriu e não respondeu nada. Quando caiu a noite, dirigiu-se à igreja da aldeia, levando um comprido saco nas costas, um embrulho debaixo do braço e uma lanterna na mão. Dentro do saco havia uma porção de caranguejos e, no embrulho, outras tantas velinhas de cera. Penetrou no cemitério junto à igreja, sentou-se no chão, pegou um caranguejo e gradou-lhe uma velinha nas costas; acendeu-a e soltou o bichinho. Fez o mesmo com outros e continuou assim até acabar com todos os que estavam no saco. Em seguida, vestiu uma túnica preta, parecida com burel de frade, grudou longa barba branca no queixo e ficou completamente irreconhecível. Depois, pegou o saco no qual trouxera os caranguejos, encaminhou-se para a igreja e subiu no púlpito. O relógio da torre acabava justamente de bater o último toque das doze horas; então ele gritou com voz tronitroante:
– Ouvi-me, pecadores! Chegou o fim de todas as coisas; o dia do Juízo está próximo! Ouvi! Ouvi! Quem quiser subir comigo para o céu, entre neste saco! Eu sou São Pedro, o que abre e fecha as portas do céu; olhai lá fora, no cemitério, os mortos já estão recolhendo seus ossos. Vinde! Vinde depressa! Entrai neste saco! Chegou o fim do mundo! Aqueles brados repercutiram por toda a aldeia. O padre e o sacristão, que moravam mais perto da igreja, foram os primeiros a ouvir o estranho apelo; e, quando viram todas aquelas luzinhas caminhando pelo cemitério, convenceram-se de que algo de extraordinário estava sucedendo e foram correndo para a igreja. Durante alguns momentos, ficaram escutando o sermão, depois o sacristão deu uma cotovelada no padre o disse:
– Não seria nada mau se aproveitássemos a oportunidade e juntos fôssemos, confortavelmente, para o céu, antes que chegue o dia do Juízo! – Naturalmente, – respondeu o padre, – também penso assim; se estás disposto, ponhamo-nos a caminho. – Sim, – disse o sacristão, – mas vós, reverendo, tendes direito de precedência; eu vos seguirei. Assim o padre foi o primeiro a subir até ao púlpito, onde o ladrão o acondicionou dentro do saco; em seguida foi a vez do sacristão. O mestre, mais que depressa, amarrou fortemente a boca do saco e arrastou-o pela escada do púlpito abaixo; cada vez que as cabeças dos dois malucos batiam nos degraus, ele gritava:
– Agora estamos atravessando as montanhas. Dessa maneira levou-os através da aldeia e, quando
passavam dentro de alguma poça d’água, ele gritava:
– Agora atravessamos as nuvens molhadas. Finalmente, quando iam subindo a escadaria do castelo, dizia:
– Agora estamos subindo as escadas do Céu, em breve chegaremos ao vestíbulo. Chegando lá em cima, ele empurrou o saco para dentro do pombal e, quando as pombas assustadas começaram a bater as asas, disse:
– Estais ouvindo como os anjos se alegram e batem as asas de contentamento? Então, puxou o trinco da porta e foi-se embora. Na manhã seguinte, apresentou-se ao conde e comunicou-lhe que se havia desincumbido, também, do terceiro empreendimento e rapatara da igreja o padre com o sacristão. – Onde os puseste? – perguntou meio incrédulo o conde. – Estão dentro de um saco, lá no pombal, e julgam que estão no céu! O conde, foi pessoalmente, verificar e convenceu-se de que o outro dissera a verdade. Libertou o padre e o sacristão e depois disse ao mestre:
– Tu és um super-ladrão e ganhaste a tua causa. Por esta vez, escapas com a pele inteira, mas trata de sumir das minhas terras; e, se te mostrares outras vez por aqui, podes contar que serás dependurado na forca. O mestre ladrão, foi despedir-se dos pais e voltou a correr mundo; nunca mais ouviu-se falar nele.
Informação para análise científica
Indicador | Valor |
---|---|
Número | KHM 192 |
Aarne-Thompson-Uther Índice | ATU Typ 1525A |
Traduções | DE, EN, ES, FR, PT, IT, JA, NL, PL, RU, TR, VI, ZH |
Índice de legibilidade de acordo com Björnsson | 35.1 |
Flesch-Reading-Ease Índice | 30.7 |
Flesch–Kincaid Grade-Level | 12 |
Gunning Fog Índice | 15.7 |
Coleman–Liau Índice | 10.4 |
SMOG Índice | 12 |
Índice de legibilidade automatizado | 7.1 |
Número de Caracteres | 15.834 |
Número de Letras | 12.348 |
Número de Sentenças | 182 |
Número de Palavras | 2.776 |
Média de Palavras por frase | 15,25 |
Palavras com mais de 6 letras | 550 |
percentagem de palavras longas | 19.8% |
Número de Sílabas | 5.270 |
Média de Sílabas por palavra | 1,90 |
Palavras com três sílabas | 666 |
Percentagem de palavras com três sílabas | 24% |