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O Irmão Folgazão
Grimm Märchen

O Irmão Folgazão - Contos de fadas dos Irmãos Grimm

Tempo de leitura para crianças: 28 min

Houve, em tempos muito remotos, uma grande guerra, finda a qual muitos soldados foram licenciados. Entre eles havia um, chamado Folgazão, por causa do seu permanente bom humor; na hora da baixa, recebeu apenas um pão de munição e quatro vinténs, e com isso foi andando. À beira da estrada, estava São Pedro sentado, disfarçado em pobre mendigo e, quando Folgazão se aproximou, pediu-lhe esmola. Ele, então, respondeu: – Meu caro mendigo, que posso dar-te? Sou um pobre soldado que acaba de ter baixa e tenho como única fortuna este pão e quatro vinténs. Não será preciso muito para lhe ver o fim e, então, terei de mendigar como tu. Contudo, quero dar-te alguma coisa. Partiu o pão em quatro pedaços, deu um ao apóstolo e mais um vintém. São Pedro agradeceu muito e foi andando; postou-se um pouco mais adiante, disfarçado em outro mendigo e, quando o soldado ia passando por ele, tornou a pedir-lhe uma esmola. Folgazão respondeu como antes e deu-lhe outro pedaço de pão e mais um outro vintém. São Pedro agradeceu e foi postar-se mais adiante, ainda sob forma de um pobre mendigo, e pediu-lhe uma esmola.

O Irmão Folgazão Contos de fadas

Folgazão deu-lhe o terceiro pedaço de pão com outro vintém. São Pedro agradeceu e Folgazão seguiu o caminho; nada mais possuia do que um pedaço de pão e um único vintém. Entrou numa hospedaria, pediu um copo de cerveja e comeu o pão. Depois, pôs-se novamente a caminho e eis que São Pedro veio-lhe ao encontro, sob o aspecto de um soldado licenciado, dizendo-lhe: – Bom dia, camarada; não poderías dar-me um pedaço de pão e um vintém para tomar um gole de cerveja? – Onde irei buscá-los? – respondeu Folgazão: – recebi a baixa e além dela nada mais que um pão e quatro vinténs. Encontrei pelo caminho três mendigos, a cada um deles dei um quarto de pão e um vintém. O último quarto comi-o agora na hospedaria e com o último vintém tomei um copo de cerveja. Agora estou a nenhum e se tu, também, não tens nada, poderemos pedir esmolas juntos. – Não, – respondeu São Pedro, – ainda não estou reduzido a isso; eu entendo alguma coisa de medicina e pretendo assim ganhar para o meu sustento. – Está certo, – disse Folgazão; – eu não entendo nada disso, portanto, irei mendigar sozinho. – Ora, vem comigo! – disse São Pedro. – Poderás talvez ajudar-me; se eu ganhar alguma coisa, ofereço- te a metade. – Ótimo! – disse Folgazão, e juntos saíram andando. Logo, na primeira aldeia que atravessaram, passaram pela casa de camponeses onde se ouviam choros e lamentos; entraram e viram o dono da casa deitado na cama, agonizante; a mulher, e toda a família, achava-se em volta dele, chorando e gritando. – Cessai de gritar e chorar, – disse São Pedro; – vou curar esse homem. Tirou do bolso um frasco de unguento e, num instante, curou o doente, o qual se levantou vivo e são como um peixe. Marido e mulher, no auge da alegria, não sabiam como agradecer. – Como poderemos recompensar-vos? Que poderemos dar-vos? São Pedro, porém, não queria aceitar nada e quanto mais insistiam mais ele recusava. Folgazão deu-lhe uma cotovelada, dizendo baixinho: – Aceita alguma coisa; bem sabes que estamos necessitando. Por fim, a mulher do camponês trouxe um lindo cordeirinho pedindo a São Pedro que o aceitasse, mas ele não queria. Então o amigo Folgazão dando-lhe uma catucada nas costelas, disse-lhe: – Pois aceita, seu bobo, nós bem que precisamos! Então São Pedro disse: – Pois bem, aceitarei o cordeirinho, mas eu não o carregarei; se quiseres, tens que carregá-lo tu. – Não seja essa a dúvida, – respondeu Folgazão; – eu me incumbo disso. Pôs o cordeiro no ombro e continuaram o caminho, chegando a uma floresta; o cordeiro começava a pesar e Folgazão, que já estava sentindo fome, disse ao companheiro:

– Olha que lugar convidativo; aqui podemos assar o cordeiro e comê-lo. – Está bem, – disse São Pedro – mas não quero cuidar da cozinha; se queres cozinhar, aqui tens um caldeirão, enquanto isso vou passear um pouco até ficar tudo pronto. Mas não podes começar a comer antes de eu voltar; estarei de volta em tempo. – Não tenhas medo, vai; – disse o amigo Folgazão; – sei lidar na cozinha, prepararei tudo. São Pedro afastou-se e Folgazão matou o cordeiro, acendeu o fogo, pôs a carne no caldeirão e deixou ferver. Já estava pronta e o apóstolo nada de aparecer; então o amigo Folgazão retirou o cordeiro da panela, trinchou-o e encontrou o coração. – Este é o melhor bocado! – disse, e provou-o. De fato, era tão gostoso que acabou por o comer todo. Finalmente chegou São Pedro, dizendo: – Podes comer todo o cordeiro, eu só quero o coração; dá-me. O amigo Folgazão pegou o garfo e a faca e fingiu procurar atentamente no meio da carne, sem conseguir encontrar o coração; por fim disse, meio sem jeito: – Não o encontro! – Onde estará? – perguntou o apóstolo. – Não sei, – respondeu Folgazão; – mas veja, que tolos somos os dois! Aqui a procurar o coração do cordeiro e não nos lembramos de que o cordeiro não tem coração.

– Oh! – disse São Pedro – que novidade! Todos os animais têm um coração; por quê o cordeiro não tem? – Não tem, estou certo disso; o cordeiro não tem coração; reflete bem e verás como é certo. – Bem, bem, não falemos mais! – disse São Pedro; – desde que não tem coração, não quero mais nada, podes comer o cordeiro todo. – O que não puder comer, guardarei na mochila, – disse Folgazão. Comeu metade do cordeiro e o resto guardou na mochila. Depois continuaram o caminho e São Pedro fez com que uma torrente de água lhes atravessasse o caminho e eles deviam transpô-la. – Podemos atravessar a nado, – disse São Pedro; – vai na frente. – Não, – respondeu o amigo Folgazão; – vai tu primeiro. – E pensava: „Se ele for para o fundo, eu ficarei por aqui.“

São Pedro atravessou e a água só lhe chegava aos joelhos. Então o amigo Folgazão dispôs-se, também, a atravessar, mas a água subiu e chegou-lhe ao pescoço. – Meu irmão, socorro! – gritou ele. São Pedro respondeu-lhe: – Queres confessar que comeste o coração do cordeiro? – Não, não o comi! – gritou o amigo. Então a água cresceu mais e chegou-lhe até à boca. – Socorro, irmão, socorro! – gritou o soldado. São Pedro tornou u dizer: – Confessas ter comido o coração do cordeiro? – Não, – respondeu ele, – não comi. Apesar disso São Pedro não permitiu que ele se afogasse; fez descer a água e ajudou-o a passar para a outra margem. Continuaram o caminho e chegaram a um reino, onde souberam que a filha do rei estava à morte. – Olá, irmão! – disse o soldado a São Pedro – que bela ocasião para nós; se a curarmos, ficaremos bem para o resto da vida! E como São Pedro não se apressasse, continuou: – Vamos, irmão do coração, mexe as pernas e corramos um pouco para chegar a tempo e salvar a princesa. Entretanto, por mais que Folgazão o incitasse, São Pedro caminhava sempre mais devagar; até que por fim ouviram dizer que a princesa havia falecido. – Aí está! – disso o amigo Folgazão, – tudo por culpa da tua indolência, viste? – Acalma-te, – respondeu São Pedro, – eu posso fazer algo mais do que curar os doentes; posso também ressuscitar os mortos. – Bem, se é assim, tanto melhor; – disse Folgazão; – se isso conseguires, o rei nos dará a metade do reino. Chegaram ao castelo, onde toda a corte estava de luto fechado. São Pedro anunciou ao rei que faria ressuscitar a princesa. Levaram-no para junto dela e ele disse:

– Trazei-me um caldeirão cheio de água. Quando lho trouxeram, mandou sair todo mundo; somente Folgazão teve licença do ficar com ele. Aí retalhou todos os membros da defunta; colocou-os dentro da água; acendeu um bom fogo sob o caldeirão e deixou-os ferver. Quando a carne se desprendeu toda, pegou os ossos brancos colocou-os sobre a mesa dispondo-os um perto do outro, na sua ordem natural. Então disse por três vezes:

– Em nome da Santíssima Trindade, levanta-te, morta! Na terceira vez, ela se levantou, viva, alegre e bonita como nunca. O rei, louco de alegria, disse a São Pedro:

– Pede-me a recompensa que desejas; mesmo que seja a metade do meu reino, eu a darei de boa vontade. Mas São Pedro respondeu:

– Não quero nada. – Oh, que imbecil! – disse o amigo Folgazão, cotucando-lhe as costas. – Não sejas tão cretino; se tu não queres nada, eu necessito de alguma coisa! Mas São Pedro manteve-se firme na sua recusa. Entretanto, notando o rei que o outro não partilhava dos sentimentos do companheiro, mandou o tesoureiro encher-lhe a mochila de moedas de ouro. Depois disso, continuaram a viagem e, tendo chegado a uma floresta, São Pedro disse:

– Agora vamos repartir esse ouro. – Sim, – respondeu o outro, – vamos reparti-lo. São Pedro repartiu as moedas em três partes iguais, enquanto isso Folgazão ia pensando: „Quem sabe lá que ideia se lhe meteu de novo na cabeça! Divide em três partes e somos apenas dois.“ Mas São Pedro exclamou:

– Reparti com equidade: uma parte para mim, outra para ti e a terceira para aquele que comeu o coração do cordeirinho.

– Oh, fui eu mesmo! – respondeu Folgazão, e mais que depressa meteu o ouro no bolso. – Podes me acreditar, comi-o eu!

– E‘ impossível! – retrucou São Pedro; – um cordeirinho não tem coração! – Ora, ora, meu irmão, que ideia! Um cordeiro tem um coração tal como os outros animais; por quê só ele não deveria tê-lo? – Está bem, não discutamos mais, – disse São Pedro; – fica com todo o dinheiro; mas eu não continuarei em tua companhia; vou seguir o meu caminho sozinho. – Como queiras, meu coração, – respondeu o soldado; – adeus e passes muito bem. São Pedro seguiu por uma estrada oposta e Folgazão ia pensando: „E‘ melhor que se vá; no fim de contas ele é um peregrino muito singular!“

Agora possuía dinheiro à vontade, mas não sabia empregá-lo com critério. Gastou, deu, e, por fim, depois de pouco tempo, estava novamente sem um níquel. Nessas condições, chegou a um país onde ouviu dizer que a filha do rei havia morrido. – Olá! – disse, – isto começa bem. Esta eu mesmo ressuscitarei e far-me-ei pagar melhor do que a outra. Apresentou-se ao rei, oferecendo-se para ressuscitar-lhe a filha. O rei ouvira contar que um soldado aposentado andava ressuscitando os defuntos e julgou que fosse o amigo Folgazão; mas, como não tinha muita confiança nele, primeiro quis sabor a opinião de seus conselheiros, os quais responderam que tentasse, pois a filha estava mesmo morta. Então, o amigo Folgazão mandou que se retirassem todas as pessoas; cortou os membros da princesa colocando-os dentro do caldeirão, que pôs para ferver, exatamente como vira São Pedro fazer. A água começou a ferver e a carne se desprendeu completamente dos ossos; pegou neles mas não sabia como arranjá-los e arrumou-os sobre a mesa, tudo ao contrário e misturado. Feito isso, gritou por três vezes:

– Em nome da Santíssima Trindade, levanta-te, ó morta! Repetiu essas palavras três vezes, mas os ossos não se mexiam; tornou a repeti-las mais três vezes, mas sem melhor resultado. Então, raivoso, bateu os pés e exclamou:

– Levanta-te, diabo de uma princesa! Levanta-te, senão pobre de ti! Mal acabava de pronunciar essas palavras, eis que São Pedro entrou pela janela, com o seu disfarce de soldado aposentado, e disse:

– Que estás fazendo aí mau ímpio? Como pretendes ressuscitar a defunta se baralhaste todos os ossos? – Meu coração, fiz o melhor que pude! – respondeu Folgazão. – Bem, por esta vez ainda te vou tirar de apuros; mas lembra-te disto: se tentares outra vez fazer milagres, as coisas te correrão mal; também não pensos em exigir ou aceitar qualquer recompensa do rei. São Pedro dispôs os ossos na sua ordem natural e disse três vezes:

– Em nome da Santíssima Trindade levanta-te, ó morta! A princesa levantou-se tão sadia e formosa como antes. Km seguida, o apóstolo tornou a sair pela janela, como havia entrado. Folgazão estava bem satisfeito por lhe ter corrido tudo bem, mas não se conformava em não receber nada: „Gostaria de saber o que se passa na sua cachola! – pensava consigo mesmo; – o que ele dá com a mão direita tira com h esquerda; não vejo bom senso nisso!“

Mas, indiretamente, por meio de alusões hábeis arranjou-se de modo a fazer com que o rei mandasse encher- lhe a mochila de ouro; depois foi-se embora. Quando ia saindo, encontrou São Pedro na porta da cidade, que lhe disse:

– Vês, que espécie do homem tu és! Não te ordenei que não exigisses e não aceitasses nada? E eis-te com a mochila cheia de ouro! – Que culpa tenho eu, – respondeu Folgazão, – se mó põem dentro à força! – Previno-te que não tentes meter-te nessas coisas pela segunda vez, senão pobre de ti! – Olá, irmão, não tenhas receio! Agora já tenho o ouro, pura que hei de amolar-me a lavar ossos de defunto? – Sim, sim; – disse São Pedro, – o ouro não vai durar muito! Mus, pura que não tornes a invadir searas alheias, darei à tua mochila uma virtude; tudo quanto desejares ter, tê-lo-ás. Adeus, não me verás nunca mais. – Adeus! disse Folgazão, enquanto pensava: „Estou contente que se vá esse tipo original! Naturalmente não te correrei atrás!“ E nem sequer voltou a pensar no poder maravilhoso da mochila. Foi andando de um lado para outro, perambulando e esbanjando alegremente o dinheiro como fizera da outra vez. Quando lhe restaram apenas quatro vinténs, passou por uma hospedaria e pensou: “Livremo-nos dês- te dinheiro!“ E mandou que lhe servissem três vinténs de vinho e um vintém de pão. Estava lá sentado a beber e nisso chegou-lhe ao nariz um delicioso cheiro de pato assado. Olha para cá, olha para lá, viu que o hospedeiro tinha dois belos patos no forno. De repente, lembrou-se do que o seu camarada lhe dissera: que a mochila tinha a virtude de atrair para dentro dela tudo quanto ele desejasse. „Experimentemos com os patos!“ E, saindo fora da hospedaria, disse:

– Quero na minha mochila os dois patos assados que estão no forno. Acabou de dizer isso e desafivelou a mochila, e dentro dela viu os dois patos assados. – Ah, assim está certo, – disse, – agora estou feito na vida. Foi para o campo e lá tirou os patos para comer; estava-os saboreando com grande prazer quando se aproximaram dois operários e ficaram a olhar cobiçosamente o pato, que ainda não fora cortado. O amigo Folgazão pensou: „Um chega bem para ti.“ Então chamou os dois operários. – Vinde, meus amigos, aqui tendes este pato, comei-o à minha saúde. Os operários agradeceram, dirigiram-se à hospedaria, pediram uma garrafa de vinho o um pão, depois desembrulharam o pato e puseram-se a comer. A hospedeira, que estava olhando para eles, disse ao marido:

– Esses dois operários estão comendo pato assado; dá uma olhadela para ver se não é um dos nossos que estavam dentro do forno! O hospedeiro foi depressa e viu que o forno estava vazio. – Ah, raça de ladrões! Quereis comer patos à custa dos outros! Aqui o dinheiro, vamos, senão vos dou uma lavada com a vara de marmelo! Os pobres responderam:

– Nós não somos ladrões; foi um soldado aposentado quem nos presenteou com esse pato; ei-lo, lá fora no campo! – Não me venham com histórias; o soldado esteve aqui mas saiu como qualquer homem honesto, eu reparei nele. Vós é que sois os ladrões, portanto deveis pagar-me. Mas como não podiam pagar, o hospedeiro tocou-os para fora a pauladas. Folgazão continuou o caminho e chegou a um lugar onde havia um magnífico castelo e, não muito longe, uma péssima hospedaria. Entrou e pediu um canto para dormir; o hospedeiro desculpou-se dizendo:

– Não há mais lugar; a hospedaria está toda cheia de hóspedes importantes. – Admira-me que tais hóspedes venham para aqui em vez de irem para aquele esplêndido castelo! – Realmente, – disse o hospedeiro, – mas ninguém se arrisca a ir ao castelo; todos os que o tentaram, não saíram com vida de lá. – Bem, – disse Folgazão, – se outros tentaram a aventura, eu também quero tentar. – Deixai disso! – replicou o hospedeiro, – arriscai a vida. – Não será a primeira vez! – respondeu Folgazão. – Dai-me a chave e bastante de que comer e beber. O hospedeiro entregou-lhe a chave e bastante comida e bebida. Folgazão dirigiu-se ao castelo, ceou alegremente e, quando ficou com sono, deitou-se no chão, pois não havia nem mesmo uma cama. Adormeceu logo, mas durante a noite foi despertado por um ruído infernal, e quando abriu os olhos viu na sua frente nove demônios que, fazendo uma roda, dançavam em volta dele. Então disse:

– Pulai quanto quiserdes, contanto que ninguém se aproxime de mim. Os diabos, porém, aproximavam-se cada vez mais e com os pés horríveis quase lhe pisavam no rosto. – Calma, calma, espíritos diabólicos! – disse Folgazão. Mas os demônios comportavam-se cada vez pior. Então o amigo Folgazão zangou-se e gritou:

– Esperem, que vou acalmar-vos já! Agarrou uma cadeira pelos pés e pôs-se a desancá-los. Mas nove demônios contra um soldado eram demais; quando ele malhava os que lhe estavam na frente, os outros que estavam atrás puxaram-no pelos cabelos e o arrastaram medonhamente pelo chão. – Canalhas, diabos imundos, – gritou ele; – isso já é demais! Vamos, saltem todos para dentro da minha mochila. Num abrir e fechar de olhos saltaram todos para dentro da mochila e ele, mais que depressa, afivelou-a bem e atirou-a para um canto. Fez-se logo profundo silêncio e Folgazão deitou-se novamente e dormiu até bem tarde. Então chegaram o hospedeiro e o fidalgo a quem pertencia o castelo a fim de saber o que havia acontecido. Vendo-o muito alegre e bem disposto, ficaram todos admirados e perguntaram:

– Como, os fantasmas não te fizeram nada? – Que esperança! – respondeu Folgazão. – Prendi os nove na minha mochila. Podeis voltar tranquilamente para o vosso castelo; de hoje em diante não haverá mais fantasmas! O fidalgo agradeceu muito; recompensou-o ricamente e pediu-lhe que ficasse ao seu serviço; seria bem tratado e cuidado pelo resto da vida. – Não, – disse Folgazão; – estou muito habituado a correr mundo, prefiro continuar o meu caminho. Despediu-se de todos e foi-se embora. Entrou numa forja, pôs a mochila sobre a bigorna e mandou o ferreiro e seus ajudantes malharem com toda força em cima dela. Os homens malharam com todo o gosto, fazendo cair seus enormes malhos sobre os demônios que urravam espantosamente. Quando Folgazão abriu a mochila, oito deles faziam mortos; o nono, porém, que se havia abrigado nas dobras do couro, estava vivo e saltou para fora, fugindo como um raio para o inferno. Folgazão perambulou ainda muito tempo e teve tantas aventuras que seria longo demais contar. Por fim, ficou velho e pensou na morte. Então foi ter com um eremita, conhecido por todos como um santo varão, e lhe disse:

– Estou cansado de correr mundo; agora quero cuidar de entrar no Reino do Céu. O eremita respondeu-lhe:

– Meu filho, há dois caminhos: um é largo e agradável e conduz ao inferno; o outro é estreito e árduo, esse conduz ao paraíso. „Bem louco seria se escolhesse o caminho estreito e áspero,“ – disse consigo mesmo o amigo Folgazão; e encaminhou-se pelo mais largo e agradável e assim foi ter a uma grande porta escura, que era a do Inferno. Bateu, e o porteiro foi ver quem era. Mas, dando com a cara do amigo Folgazão, assustou-se; pois era o nono diabo, aquele que conseguira escapar com alguns ferimentos das marteladas do ferreiro. Portanto, ao vê-lo aí, o dono da mochila, o diabo mais que depressa aferrolhou a porta e foi correndo dizer ao chefe:

– Aí fora está um sujeito que traz uma mochila nas costas e deseja entrar aqui; por favor, não o deixeis entrar, senão ele obrigará todo o inferno a meter-se dentro daquela mochila. Estive uma vez lá dentro e ele mandou malhar terrivelmente, quase me matando. Diante disso, os demônios disseram de dentro a Folgazão que se fosse embora; ali ele não podia entrar. „Se não me querem aqui, – resmungou ele, – irei ver se me aceitam no paraíso; em alguma parte tenho de me abrigar!“

Portanto, voltou para trás e andou, andou, até chegar à porta do paraíso. Lá bateu. O porteiro nesse dia era São Pedro; Folgazão logo o reconheceu e pensou: „Aqui pelo menos encontro um velho amigo, certamente terei mais sorte.“ Mas São Pedro foi dizendo:

– Suponho que desejas entrar no paraíso! – Deixa-me entrar, meu irmão, pois tenho que alojar-me em algum lugar; se me tivessem aceitado no Inferno, não viria amolar-te aqui. – Não, – disse São Pedro, – tu não podes entrar. – Então, se não queres deixar-me entrar, toma a mochila; não quero nada de ti! – Está bem, dá aqui! – respondeu São Pedro. Folgazão fez passar a mochila através das grades, São Pedro pegou-a e pendurou-a perto da sua cadeira. Então o amigo Folgazão disse:

– Desejo entrar dentro da mochila. E num relâmpago, lá estava. Assim entrou no paraíso e São Pedro não teve outra solução senão ficar com ele.

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NúmeroKHM 81
Aarne-Thompson-Uther ÍndiceATU Typ 785 und 330
TraduçõesDE, EN, DA, ES, PT, IT, JA, NL, PL, RU, TR, VI, ZH
Índice de legibilidade de acordo com Björnsson34.4
Flesch-Reading-Ease Índice34.6
Flesch–Kincaid Grade-Level11.8
Gunning Fog Índice14.7
Coleman–Liau Índice10.3
SMOG Índice12
Índice de legibilidade automatizado6.2
Número de Caracteres20.559
Número de Letras15.883
Número de Sentenças266
Número de Palavras3.578
Média de Palavras por frase13,45
Palavras com mais de 6 letras751
percentagem de palavras longas21%
Número de Sílabas6.706
Média de Sílabas por palavra1,87
Palavras com três sílabas889
Percentagem de palavras com três sílabas24.8%
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