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Os seis que tudo conseguiam
Os seis que tudo conseguiam Märchen

Os seis que tudo conseguiam - Contos de fadas dos Irmãos Grimm

Tempo de leitura para crianças: 16 min

Houve, uma vez, um homem entendido em muitas artes; como soldado tinha-se comportado corajosamente durante a guerra e, muitas vezes, tinha arriscado a vida. Terminada a guerra, deram-lhe baixa e, para voltar à sua terra, recebeu apenas três moedas miúdas. Foi reclamar ao rei, que o mandou passear.

– Espera aí, – disse consigo mesmo, muito furioso: – tratar-me assim! Pois bem, se conseguir encontrar gente como penso, eu te obrigarei a entregar-me os tesouros do teu reino. E pôs-se a caminho. Atravessando uma floresta, avistou um homem que arrancava árvores com a mesma facilidade com que se arranca espigas de trigo. – Queres entrar a meu serviço, – disse ele, – e vir comigo em busca de aventuras? – Não vejo inconveniente, – respondeu o outro; – mas deixa-me primeiro levar à minha mãe este feixe de lenha para o inverno e depois te seguirei. Amarrou o feixe de seis carvalhos, dos maiores, e levou-os tranquilamente, sem mesmo vergar com o peso. Daí a pouco voltou e, então ambos puseram-se a caminho. – Nós dois teremos de conseguir tudo no mundo, – disse o soldado. Ao sair da floresta, viram um caçador que, de joelhos, apontava a espingarda; mas por mais longe que olhassem não viram sequer amostra de caça. – Para quem estás apontando? – perguntou-lhe o soldado. – A duas léguas daqui, – respondeu o caçador, – está um moscardo pousado no galho de um carvalho; eu quero arrancar-lhe o olho esquerdo. Dizendo isto, atirou. – Olha, – disse-lhe o soldado; – um atirador da tua força faz-me muita falta; queres vir conosco? Nós três juntos poderemos conseguir tudo neste mundo. O caçador aceitou de boa vontade. Mais adiante toparam com sete grandes moinhos de vento, cujas asas giravam furiosamente, muito embora não houvesse no ar a mais leve brisa. O soldado disse:

– Não sei o que faz girar os moinhos, pois não há o menor sopro de vento! Depois de terem contemplado maravilhados este espetáculo, continuaram o caminho. Duas léguas mais adiante, viram empoleirado numa árvore um homem que tapava uma das narinas com o dedo ao passo que assoprava com a outra. – Que é que estás fazendo aí? – perguntou-lhe o soldado. – Estou assoprando para fazer girar os sete moinhos de vento que estão a duas léguas daqui; deveis ter passado por eles há pouco. – Realmente, – disse o soldado, – és muito hábil; mas estes meus dois criados também o são bastante. Vem conosco e, os quatre juntos, conseguiremos tudo neste mundo. A proposta agradou ao homem que assoprava e que logo desceu da árvore e foi com eles. Pouco mais adiante, encontraram um homem muito alto, que se mantinha num só pé, ao passo que amarrava o outro com uma correia. Então o soldado disse-lhe:

– Que diabo estás a fazer, bom homem? – Sou um corredor, – respondeu ele, – e para não correr demais, amarrei uma perna; pois se tenho as duas livres, corro mais velozmente do que voam os pássaros. – O que, – replicou o soldado, – com semelhante capacidade não fazes melhor figura no mundo! Vem conosco e farás fortuna; nós todos juntos conseguiremos tudo. O corredor aceitou e foi com eles. Um pouco mais adiante, encontraram um homenzinho gorduchinho, que trazia o chapéu caído sobre a orelha esquerda e andava todo pimpão. O soldado disse-lhe:

– Que cara mais engraçada a tua! Não andes com o chapéu assim caído na orelha, senão te julgarão um bêbado ou um doido. – Não posso endireitá-lo, – respondeu o homenzinho, – pois se o fizesse, em volta de mim haveria um frio tão intenso que os pobres passarinhos caíram no chão mortos de frio. – Oh, que preciosa virtude! Vem conosco e juntos havemos de conseguir tudo neste mundo. A proposta não desagradou e o gorducho seguiu com eles para a cidade. Lá ouviram um arauto anunciar que a filha do rei desafiava a quem quisesse correr com ela; aquele que a vencesse casaria com ela, mas se fosse vencido teria a cabeça cortada. O soldado foi ao palácio declarar que aceitava o desafio:

– Mandarei, porém, um dos meus criados correr em meu lugar. – Como queiras, – disse o rei, – mas deves não empenhar também a vida dele; se for batido, terão ambos a cabeça cortada. Ficou tudo combinado; então o soldado tirou a correia que prendia a outra perna do corredor e disse:

– Agora, depressa, ajuda-me para que possamos vencer. Havia sido preestabelecido que o vencedor seria aquele que trouxesse primeiro uma bilha de água de uma fonte situada a uma légua de distância. A princesa e o corredor receberam ambos uma bilha; depois, dado o sinal convencional, partiram ambos no mesmo instante. A princesa corria tão velozmente como um galgo, mas seu competidor ia como o vento e, dentro de alguns segundos, desapareceu dos olhares dos assistentes.

Os seis que tudo conseguiam Contos de fadas

Mais alguns segundos, chegou à fonte, encheu a bilha e voltou para trás. Mas na metade do caminho, como o calor era sufocante e estando bastante na dianteira, julgou poder repousar alguns momentos; estendeu- se na relva para tirar uma soneca, tendo tido o cuidado de pôr debaixo da cabeça uma caveira de cavalo, por ser bastante dura, para não dormir muito tempo. Entretanto, a princesa também chegara à fonte, enchera a bilha e apressava-se a voltar com ela cheia de água; ao ver o corredor estendido no chão a dormir, disse muito satisfeita:

– O inimigo está em minhas mãos! Aproximou-se dele, despejou a bilha que ele pusera a seu lado e continuou a corrida. O soldado e os companheiros admiravam-se de não verem o corredor aparecer; o caçador então, que tinha um olhar de lince, olhou com muita atenção para o lado da fonte e viu que estava dormindo estendido no chão. Então apontando a espingarda, disparou com tanta precisão que a bala, sem tocar no dorminhoco, tirou-lhe a caveira de cavalo de sob a cabeça. O corredor acordou, de um pulo pôs-se de pé e viu a bilha vazia enquanto a princesa já lhe passara adiante e ia longe. Sem perder a cabeça correu como uma seta para a fonte, encheu a bilha e voando sempre como o vento, chegou ao ponto de partida com um avanço de dez minutos. O vencedor nem sequer ofegava:

– Só agora tive que levantar um pouco as pernas, pois antes não podia dizer que era uma corrida. O rei ficou desconsolado, e muito mais ainda a princesa por ter de casar-se com um simples soldado, um vilão sem origem, nem fortuna. Então tramaram um jeito de livrar-se dele e dos outros companheiros. Após ter refletido um pouco, o rei disse:

– Consola-te, minha filha! Achei um meio; não te preocupes, que não voltarão mais. Dirigindo-se ao soldado, o rei felicitou-o pela vitória e disse-lhe:

– Agora vamos festejar o acontecimento, vamos comer e beber alegremente. Mandou-os entrar todos para uma sala toda construída de ferro; as portas eram de ferro e as janelas guarnecidas de barras de ferro. Na sala estava posta a mesa; coberta das mais finas iguarias, o rei disse:

– Entrai e comei à vontade. Depois do festim, no momento da sobremesa, o rei mandou trancar a porta e acender sob o assoalho um grande fogo; mandou aquecer até que o ferro com que era construída a sala ficasse rubro. O cozinheiro obedeceu à ordem do rei e os seis, sentados à mesa, começaram a sentir um calor infernal; pensaram primeiro tratar-se do efeito dos vinhos deliciosos que haviam bebido. Mas, aumentando o calor sempre mais, quiseram sair; então perceberam que estavam presos e que o rei queria fazê-los perecer miseravelmente. – Esse maroto não contou comigo, – disse o gorducho; – provocarei um frio tal que o fogo se envergonhará. Endireitou o chapéu enterrando-o até as orelhas. Imediatamente produziu-se um frio que venceu o fogo a ponto das comidas que ainda sobraram nos pratos, gelarem completamente; e os próprio convidados batiam o queixo. Algumas horas depois, o rei mandou abrir a porta, esperando ver o soldado e seus companheiros todos calcinados; mas, quando abriram a porta, eles precipitaram-se para fora, gritando:

– Uma sala de jantar fresca é de certo agradável; mas Vossa Majestade exagerou um pouco; tivemos um frio medonho, tanto assim que o resto da comida nos pratos ficou dura de gelo. O rei enfureceu-se, mandou chamar o cozinheiro, perguntando-lhe porque não executara suas ordens. Mas o cozinheiro respondeu:

– Fogo é que não falta, Vossa Majestade pode bem ver. E o rei viu com seus próprios olhos um grande fogo ardendo sob a sala de ferro, e, então, percebeu que o soldado e seus companheiros não eram gente qualquer mas possuíam dons particulares que seria melhor saber aproveitar. Perguntou-lhes, portanto, quanto ouro queriam para renunciar à mão da princesa. – Quero tanto quanto um dos meus criados puder levar, – respondeu o soldado. – Voltarei dentro de quinze dias; até lá podereis reunir todo o ouro que possuis, prata e baixelas inclusive, e talvez não chegue. O rei não fez caso dessas palavras, julgando-as uma fanfarronice. Mas o soldado reuniu todos os alfaiates do reino e ocupou-os durante quinze dias a fazer um saco enorme de pano bem resistente. No dia marcado, voltou ao palácio com o companheiro que arrancava árvores como se fossem simples espigas de trigo e ao qual entregara o saco que, por si só, fazia um fardo do tamanho de uma casa. O rei perguntou:

– Quem é esse homem vigoroso que carrega nas costas um fardo do tamanho de uma casa? Consigo mesmo, porém, ia pensando: „Quanto ouro levará esse homem!“

Os seis que tudo conseguiam Contos de fadas

E ficou muito assustado, pois julgara poder livrar-se com apenas alguns milhares de moedas de ouro. Mandou buscar uma tonelada de ouro, que dezesseis moços vigorosos arrastavam a custo; mas o criado do soldado pegou com uma só mão e meteu no saco. – Por quê não mandais trazer tudo de uma vez? – disse ele – esse mal cobre o fundo do saco. Pouco por vez, o rei mandou trazer todo o tesouro, e o homem ia pondo no saco, e o saco estava apenas ao meio. – Trazei mais, – gritou o homem; – estas migalhas não chegam. Tiveram de juntar todo o ouro do reino, sete mil carros de ouro; o homem meteu carros, bois, ouro, tudo dentro do saco que, desta vez ficou quase cheio. Amarrou- o com um cabo e, atirando-o com ligeireza para cima dos ombros, foi-se embora com o amo e os outros companheiros. Quando o rei viu aquele homem levar sozinho toda a riqueza do reino, entrou numa violenta cólera; então mandou montar a cavalo os regimentos de cavalaria e deu-lhes ordem de perseguir o soldado e tomar-lhe o saco com tudo o que ele contivesse. Num bater de olhos, a cavalaria alcançou-o e gritaram-lhe:

– Estais todos presos; abandonai imediatamente esse saco, ou sereis massacrados. – Que estais u dizer? – exclamou rindo às gargalhadas aquele que assoprava; – nós presos? Antes disso vos faremos dançar pelos ares. Tapou uma narina e com a outra assoprou contra os regimentos, como um furacão, fazendo voar pelos ares cavalos e cavaleiros, que foram atirados por todo lado. Um oficial, que ficara dependurado numa árvore, pediu mercê, gritando que sempre se batera valentemente, recebera na guerra nove ferimentos e não merecia ser atirado pelos ares como uma palhinha. O soldado reconheceu que a reclamação era justa; então aquele que assoprava assoprou com menos força e o oficial pôde descer são e salvo da árvore. – Volta para junto do teu rei, – disse-lhe, – e convida-o a mandar contra nós todo o exército para que eu possa assoprar e mandá-los pelos ares. Ouvindo isso, o rei disse:

– Deixai-os partir; eles têm o diabo no corpo. Reconhecendo que todo o seu poder era sem efeito sobre esses homens, nunca mais os importunou. O soldado repartiu aquela riqueza entre todos os companheiros e, apesar de terem vivido longos e longos anos, nunca chegaram a ver-lhe o fim.

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Informação para análise científica

Indicador
Valor
NúmeroKHM 71
Aarne-Thompson-Uther ÍndiceATU Typ 513A
TraduçõesDE, EN, DA, ES, FR, PT, IT, JA, NL, PL, RU, TR, VI, ZH
Índice de legibilidade de acordo com Björnsson38.4
Flesch-Reading-Ease Índice27.9
Flesch–Kincaid Grade-Level12
Gunning Fog Índice16.4
Coleman–Liau Índice10.9
SMOG Índice12
Índice de legibilidade automatizado8.3
Número de Caracteres11.500
Número de Letras9.033
Número de Sentenças119
Número de Palavras1.992
Média de Palavras por frase16,74
Palavras com mais de 6 letras432
percentagem de palavras longas21.7%
Número de Sílabas3.812
Média de Sílabas por palavra1,91
Palavras com três sílabas487
Percentagem de palavras com três sílabas24.4%
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