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Pele de bicho
Grimm Märchen

Pele de bicho - Contos de fadas dos Irmãos Grimm

Tempo de leitura para crianças: 17 min

Houve, uma vez, um rei cuja esposa tinha os cabelos iguais ao outro e era tão linda como não havia outra na terra. Quis o céu que a nobre e bondosa rainha adoecesse sem que médico algum pudesse salvar-lhe a vida. Sentindo aproximar-se a última hora, chamou o esposo e recomendou:

– Depois de minha morte, se quiseres casar-te outra vez, não cases com mulher menos formosa do que eu; que tenha os cabelos dourados como os meus e seja muito mais prendada. Exijo tua promessa para morrer tranquila. O rei prometeu tudo o que ela quis. Pouco depois a rainha morreu, deixando-o louco de desespero e verdadeiramente inconsolável; sua dor era tão grande que não queria pensar em eventual casamento. Mas, decorrido algum tempo, os conselheiros reuniram-se e juntos foram pedir ao rei que tornasse a casar:

– O rei não pode reinar sozinho, é necessário que se case para que tenhamos a nossa rainha. O rei não queria aceitar a sugestão e alegou a promessa que fizera à esposa; então os dignitários da corte expediram mensageiros por todos os lados a fim de descobrir uma mulher que fosse tão linda e prendada como a rainha falecida. Mas ninguém conseguia encontrá-la em parte alguma; mesmo que a tivessem encontrado, nenhuma, por mais bela que fosse, tinha aqueles cabelos de ouro. Portanto, os mensageiros voltaram de mãos vazias. O rei tinha uma filha, que era o retrato vivo da mãe e de belos cabelos de ouro. Já estava moça e, certo dia, reparando melhor nela, o rei viu que era igualzinha à falecida esposa e apaixonou-se perdidamente por ela. Então declarou aos seus conselheiros:

– Quero casar com minha filha; ela é o retrato vivo de minha falecida esposa e, por outro lado, já me convenci de que jamais encontrarei alguém que se lhe assemelhe. Ouvindo isso, os conselheiros ficaram horrorizados e disseram:

– Deus proíbe que o pai case com a filha; do pecado não pode sair bem nenhum e também o reino sofrerá e será arrastado á ruína. A princesa quase desmaiou no ouvir o ignóbil desígnio do rei; lançou-se-lhe aos pés, esperando dissuadi-lo com seus rogos e lágrimas. Mas o rei estava firme no extravagante projeto e nada o podia abalar. Então a princesa disse-lhe:

– Antes de consentir no teu desejo, quero que me dês três vestidos: um de ouro como o sol, um de prata como a lua e um cintilante como as estreias; além disso, quero também um manto feito com peles de toda espécie de animais; cada animal de teu reino tem de fornecer um pedaço de pele. Assim dizendo, pensava: „É impossível realizar tal desejo, mas com isso desvio meu pai de seu horrível propósito.“

O rei, porém, não desanimou. Reuniu todas as moças mais hábeis do reino que tiveram de confeccionar os três vestidos: um de ouro como o sol, um de prata como a lua e um cintilante como as estrelas. Enquanto isso, os caçadores foram incumbidos de capturar todos os animais do reino e tirar um pedaço de pele de cada um, confeccionando-se assim um manto variegado. Finalmente, quando tudo ficou pronto, o rei mandou buscar o manto e exibiu-o à princesa, dizendo:

– Amanhã realizaremos as bodas. Ao ver que não lhe restava nenhuma esperança de comover o coração paterno, e mudar seus tristes pensamentos, a princesa resolveu fugir. Durante a noite, enquanto todos dormiam, ela preparou-se e apanhou três de seus objetos mais preciosos: um anel ricamente cinzelado, uma pequenina roca de ouro e um minúsculo fuso também de ouro. Meteu dentro de uma casca do noz os três vestidos, de sol, de lua e de estreias, envolveu-se no manto de peles de bicho e com fuligem pintou o rosto e as mãos. Depois recomendou-se piedosamente à proteção de Deus e saiu do palácio sem ser reconhecida. Andou a noite inteira e muito mais ainda, até que por fim chegou a uma floresta. Sentindo-se muito cansada, meteu-se na toca de uma árvore e adormeceu. Ao raiar do sol, ela ainda continuava dormindo a sono solto e assim foi até muito tarde. Justamente nesse dia, um rei, que era o proprietário da floresta, foi caçar; quando os cães chegaram àquela árvore, puseram-se a latir e a saltar de um lado e de outro. O rei disse aos seus caçadores:

– Ide ver que animal se esconde lá onde estão os cães. Os caçadores obedeceram e, após terem verificado o que havia, voltaram para junto do rei dizendo:

– Na cavidade daquela árvore há um estranho animal, como nunca vimos antes: sua pele é coberta de todas as espécies de pelo. Está lá deitado a dormir. – Procurai capturá-lo vivo, amarrai-o bem ao meu carro para ser transportado conosco à cidade. Os caçadores foram e agarraram a jovem, que despertou aterrorizada e se pôs a gritar:

– Não me façais mal! Sou uma pobre criatura abandonada pelos pais; tende compaixão de mim, levai-me convosco! Os caçadores então disseram:

– Pele de bicho, tu serves bem para limpar a cozinha; vem conosco, teu serviço será varrer a cinza. Meteram-na no carro e regressaram ao castelo real. Lá, deram-lhe para habitação um tugúrio embaixo da escada, triste e escuro, onde nunca penetrava o mais tênue raio de sol. – Pele de bicho, emaranhada e selvagem, passarás a dormir aqui. Com isso, mandaram que fosse para a cozinha, com o encargo de baldear água e lenha, acender o fogo, depenar os frangos, limpar a verdura, varrer a cinza, em suma, fazer o trabalho mais grosseiro e penoso. Assim, Pele de Bicho passou a viver de maneira mais obscura e miserável. Ah, linda princesa, o que te estará ainda reservado! Passou-se muito tempo e, certo dia, o castelo engalanou-se; iam realizar uma grande festa para a qual haviam convidado meio mundo. A pobre criatura, saudosa dos bons tempos passados, pediu ao cozinheiro-chefe:

– Posso subir até lá em cima? Ficarei do lado de fora a espiar um pouquinho. – Está bem, – disse mestre-cuca, – mas, dentro de meia hora, deves estar aqui para varrer a cinza. Ela pegou na lanterninha, entrou no horrível tugúrio, despiu o manto de peles, lavou a fuligem que lhe cobria o rosto e as mãos e toda a sua esplendorosa beleza reapareceu. Então abriu a casca de noz e tirou dela o vestido cujo tecido parecia feito de raios de sol, vestiu-se e adornou-se; depois foi à festa e todos, ao vê-la, abriam alas, embasbacados ante tamanha beleza. Ninguém a conhecia, mas não duvidavam que fosse alguma princesa incógnita. O rei saiu ao seu encontro, estendeu-lhe a mão e só quis dançar com ela, pensando consigo mesmo: „Criatura tão linda, meus olhos ainda não viram.“

Terminada que foi a dança, ela inclinou-se num gesto de graça encantadora; quando o rei voltou a si da admiração, ela havia desaparecido não se sabe por onde. Chamaram os guardas do castelo e interrogaram-nos, mas todos responderam não ter visto ninguém. Ela correu rapidamente para o seu tugúrio e despiu a toda pressa o maravilhoso vestido, pintou o rosto e as mãos com fuligem e tornou a enfiar o manto de peles, voltando a ser a pobre Pele de Bicho. Quando entrou na cozinha para retomar seu trabalho, o cozinheiro disse-lhe:

– Deixa isso para amanhã; agora quero que prepares a sopa para o rei, pois também desejo dar uma espia- dela lá em cima. Mas toma cuidado, não deixes cair nenhum fio de cabelo dentro, senão para o futuro nunca mais terás nada para comer. O cozinheiro saiu e Pele de Bicho preparou uma sopa de pão para o rei; esmerou-se por fazê-la a mais deliciosa possível e, quando ficou pronta, correu ao seu tugúrio e trouxe o anel de ouro, colocando-o na vasilha em que era servida a sopa. Findo o baile, o rei ordenou que lhe servissem a sopa. Comeu-a e gostou tanto que declarou nunca ter comido outra melhor. Quando, porém, chegou ao fundo do prato, viu o anel de ouro e não conseguiu compreender como viera parar aí. Mandou chamar o cozinheiro. Este, ao receber o recado, ficou preocupado e disse a Pele de Bicho:

– Deixaste, certamente, cair um cabelo dentro da sopa; se assim for, levarás o que mereces. Apresentou-se diante do rei, cheio de temor. O rei perguntou-lhe quem havia preparado a sopa. O cozinheiro, mais que depressa, respondeu:

– Fui eu, Majestade. Mas o rei retrucou:

– Não ó verdade; a sopa estava diferente e muito melhor que de costume. O cozinheiro, então, foi obrigado a confessar:

– Realmente, Majestade, não fui eu, mas foi Pele de Bicho quem a fez. O rei ordenou:

-Vai chamar Pele de Bicho. Assim que ela compareceu perante o rei, este perguntou-lhe:

– Quem és tu? – Sou uma pobre criatura que não tem mais pai nem mãe, – respondeu ela. – E que fazes no meu castelo? – prosseguiu o rei. – Eu não sirvo para coisa alguma, – disse ela, – a não ser para que me atirem os sapatos na cabeça. O rei tornou a perguntar:

– Quem te deu aquele lindo anel que estava dentro da sopa? – Não sei de que anel se trata, – respondeu ela. Por conseguinte, o rei nada pôde descobrir e mandou-a de volta para a cozinha. Passado algum tempo, realizou-se no castelo uma outra festa e Pele de Bicho tornou a pedir ao cozinheiro que lhe permitisse dar uma espiada. Ele respondeu:

– Podes ir, mas deves voltar dentro de meia hora e fazer aquela sopa de pão que tanto agrada ao rei. Pele de Bicho correu ao seu tugúrio, limpou-se e lavou-se cuidadosamente, tirou da noz o lindo vestido prateado como o luar e vestiu-se, adornando-se como da outra vez. Depois subiu as escadarias com o andar esbelto e gracioso de verdadeira princesa. O rei saiu-lhe ao encontro, cheio de alegria por tornar a vê-la. Também dessa vez, não quis dançar com nenhuma outra dama, só com ela. Mas, assim que acabou a contradança, ela sumiu tão rapidamente, que o rei não conseguiu ver por onde saira. Ela correu para o seu tugúrio e, em breve, voltou a ser o animal peludo de sempre, depois correu à cozinha a fim de preparar a sopa para o rei. Enquanto o cozinheiro estava lá em cima espiando a festa, ela foi buscar a pequenina roca de ouro e meteu-a dentro da vasilha da sopa. Mais tarde um pouco, levaram a sopa ao rei que, como da primeira vez, comeu-a com grande satisfação, mandando depois chamar o cozinheiro. Este teve novamente de confessar ter sido preparada por Pele de Bicho, a qual, mais uma vez chamada, teve que comparecer à presença do rei e responder às suas perguntas. Respondeu como da outra vez: que só servia para que lhe atirassem os sapatos na cabeça, e que ignorava completamente, tudo da roca de ouro encontrada na sopa. Tudo parecia esquecido e Pele de Bicho continuava os tristes afazeres na cozinha. Eis que, um belo dia, o rei organizou outra festa, talvez com saudade da bela desconhecida. E tudo se processou como das vezes anteriores. O cozinheiro, porém, disse:

– Pele de Bicho, tu deves ser uma bruxa; sempre encontras meio de pôr qualquer coisa na sopa, e te sai tão boa que agrada ao rei mais do que a feita por mim. A jovem implorou ao cozinheiro que a deixasse ir ver a festa; demorar-se-ia apenas o tempo estabelecido. O severo mestre-cuca não pôde recusar-lhe o que pedia, e ela correu ao seu tugúrio, lavou-se, penteou-se e envergou o vestido cintilante como as estrelas; depois dirigiu-se ao salão de festas. O rei, fascinado, também desta vez, só quis dançar com ela, achando que ainda estava mais bela. Enquanto dançavam, sem que ela o percebesse, enfiou-lhe um anel no dedo. Havia previamente ordenado que a contradança demorasse um pouco mais. Acabando de dançar, tentou prendê-la, segurando-lhe a mão, mas ela desvencilhou-se e fugiu tão rapidamente, que ele não pôde ver por onde saiu. Pele de Bicho correu para o seu tugúrio; mas como se havia demorado mais que o tempo previsto, não pôde despir o lindo vestido; então cobriu-o com o manto de peles; estava tão apressada que, ao tingir-se com a fuligem, esqueceu um dedo, que ficou branquinho. Correu para a cozinha, preparou a sopa do rei e antes que fosse servida, deitou dentro da vasilha o minúsculo fuso de ouro. O rei, ao encontrar o fuso, mandou chamar Pele de Bicho. Ela apresentou-se como sempre, mas não reparou no dedinho que ficara branco; o rei, porém, viu-o e viu também o anel que enfiara nele durante a dança. Então agarrou-lhe a mão e segurou-a firmemente; quando ela tentou desvencilhar-se para fugir, o horrível manto de peles abriu-se um pouco, mostrando uma nesga do vestido cintilante. O rei, com um gesto rápido, arrancou-lhe o manto e, no mesmo instante, rolaram como uma cascata seus cabelos de ouro e ela surgiu magnífica, em todo o esplendor, que já não podia mais ocultar. Então lavou a fuligem que lhe cobria o rosto e as mãos e apareceu tal qual era: a criatura mais linda que jamais se vira no mundo. O rei, comovido, disse-lhe:

– Serás a minha esposa muito amada; nunca mais nos separaremos. Ela aceitou e depois de alguns dias realizaram-se as núpcias. Eram ambos tão felizes que viveram tanto, tanto tempo, até à morte.

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Informação para análise científica

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Valor
NúmeroKHM 65
Aarne-Thompson-Uther ÍndiceATU Typ 510B
TraduçõesDE, EN, DA, ES, PT, FI, IT, JA, NL, PL, RO, RU, TR, VI, ZH
Índice de legibilidade de acordo com Björnsson37.1
Flesch-Reading-Ease Índice31.2
Flesch–Kincaid Grade-Level12
Gunning Fog Índice16.5
Coleman–Liau Índice9.8
SMOG Índice12
Índice de legibilidade automatizado7.8
Número de Caracteres12.637
Número de Letras9.902
Número de Sentenças130
Número de Palavras2.275
Média de Palavras por frase17,50
Palavras com mais de 6 letras447
percentagem de palavras longas19.6%
Número de Sílabas4.245
Média de Sílabas por palavra1,87
Palavras com três sílabas541
Percentagem de palavras com três sílabas23.8%
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